sábado, 4 de setembro de 2010

Hospitalidade ganha espaço no Brasil com Copa e Olimpíada



Por Maurício de Oliveira, para o Valor, de São Paulo
30/08/2010

Texto: A- A+

http://www.valoronline.com.br/imagens/ico-print.png

http://www.valoronline.com.br/imagens/ico-mail.pngShare/Save/Bookmark

Daniel Wainstein/Valor

Foto Destaque

Bruno Pança investiu cerca de R$ 60 mil para estudar na escola Glion na Suíça, considerada uma das melhores na área

Assim como as cidades que sediarão a Copa de 2014 estão correndo contra o tempo para se prepararem adequadamente e o Rio de Janeiro começa a traçar a estratégia para a Olimpíada de 2016, muita gente já sonha com as oportunidades de trabalho que deverão ser criadas com a realização no Brasil das duas maiores competições esportivas do mundo.

Ainda não há um prognóstico claro dos impactos em termos de geração de empregos e movimentação da economia, mas o que se pode afirmar é que estamos no início de uma década promissora para os segmentos de hospedagem, alimentação, entretenimento, organização de eventos e prestação de serviços. "As perspectivas estão abertas não apenas para profissionais que já atuam nessas áreas, mas para pessoas com qualquer formação que desejam ingressar nesses mercados", afirma a professora Ariadne Bittencourt, coordenadora da área de hotelaria no Centro de Excelência em Turismo (CET) da Universidade de Brasília (UnB).

Diante desse cenário, a expectativa é de que ganhe força no país o conceito de hospitalidade. Trata-se de um assunto abrangente e com muitas definições - uma delas é de que seria o meio termo ideal entre a forma pasteurizada com que os clientes costumam ser tratados pelas grandes empresas (basta lembrar da robotização dos serviços de telemarketing) e o excesso de informalidade e a falta de padronização típicos dos pequenos empreendimentos.

A ideia é unir a eficiência com a personalização dos serviços, encontrando a dose certa de cortesia e de preocupação genuína em atender às necessidades do cliente, com o intuito de cativá-lo verdadeiramente. "Tudo isso depende muito da formação dos profissionais que atuam na prestação de serviços e que gerenciam essas equipes", afirma o sociólogo João dos Santos Filho, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), um dos mais respeitados especialistas em sociologia do turismo no Brasil.

Ariadne destaca que a hospitalidade tem um caráter multidisciplinar que interage naturalmente com várias áreas do conhecimento, incluindo sociologia, psicologia, história, antropologia e educação.

Há o entendimento geral de que a formação de especialistas em turismo e hotelaria no Brasil tem historicamente uma preocupação essencialmente técnica e pouco voltada aos aspectos humanos. Para muitos especialistas, isso aumenta a dificuldade de fazer com que a experiência de um turista seja realmente única e inesquecível. "Um dos princípios da hospitalidade é a valorização da cultura regional como o verdadeiro diferencial de um lugar. Muitas vezes esse aspecto é ignorado em nome de um atendimento padronizado", ressalta Santos.

Ele é um crítico da prioridade que o turismo para estrangeiros tem no país e já enxerga essa tendência quando se fala de Copa e Olimpíada. No Nordeste, por exemplo, Santos afirma que há condomínios inteiros feitos para estrangeiros que passam apenas três meses por ano no país. Eles têm interesse em fazer um bom investimento e em desfrutar das belezas naturais, sem uma interação verdadeira com a cultura local e sem benefícios para quem vive ao redor. "Ao contrário, tudo fica inflacionado. Enquanto isso, o turista interno, que tem abarrotado os aeroportos e muitas vezes demonstra o interesse em conhecer verdadeiramente o lugar que visitará, é desprezado e maltratado", avalia.

Espera-se que a necessidade de um entendimento mais amplo da hospitalidade abra oportunidades para profissionais provenientes da área de humanas. Isso porque eles possuem discernimento para compreender melhor a complexidade em torno desses conceitos e maior capacidade para encontrar soluções que escapem de um treinamento puramente técnico.

Os especialistas mencionam um exemplo simples e típico de exagero na formalidade dos recepcionistas de hotéis, que chamam um hóspede jovem de "senhor" mesmo depois de ele ter deixado claro que dispensa esse tratamento e gostaria de ser chamado de "você". Se o manual de atendimento diz para chamar todo hóspede de "senhor", não importa o que a própria pessoa pense sobre o assunto, embora todo viajante carregue a necessidade psíquica de se sentir acolhido e de estabelecer relações afetivas. Quem estudou ciências sociais, filosofia ou história carrega supostamente uma bagagem teórica mais próxima do conceito moderno de hospitalidade do que a de quem estudou administração ou economia, formação até o momento mais comum entre os gestores dos empreendimentos ligados a turismo e hospedagem.

Pressionadas pela necessidade de criar um atendimento realmente diferenciado, é possível que muitas empresas do setor cheguem à conclusão de que seja mais viável dar noções de gestão a pessoas com boa formação em humanidades do que o inverso. "Não basta se preocupar apenas com a qualidade do atendimento e esquecer da viabilidade do negócio. Estabelecer processos e minimizar custos continuarão sendo aspectos fundamentais", diz a professora Ariadne Bittencourt, da UnB.

Faltando menos de quatro anos para a Copa e seis para as Olimpíada, não há tempo hábil para uma revolução nos currículos dos cursos de turismo e hotelaria, com a inclusão de mais disciplinas voltadas às humanidades, ao comportamento e à valorização de conceitos como cidadania e ética. "Aprimorar a hospitalidade de um país é um processo profundo, resultado de investimentos sistemáticos em educação, cultura e segurança", afirma o sociólogo João dos Santos Filho. Desse modo, cabe aos profissionais, individualmente, buscar esse tipo de formação. Um caminho são os cursos de especialização, em geral com um ano de duração e custo médio em torno de R$ 500 por mês nas universidades mais conhecidas. Há quem esteja apostando ainda mais alto, buscando cursos em instituições internacionais reconhecidas pela excelência do ensino na área de hospitalidade.